O Círio das Memórias

O Círio das Memórias

Criação original com a comunidade

Inserido no programa Eixo Diagonal em parceria com o Teatro-Cine de Torres Vedras

O Círio das Memórias é um projeto levado a cabo pela Sociedade Filarmónica Ermegeirense no seio da sua comunidade, com a sua comunidade e apoio de várias parcerias, nomeadamente a inserção do projeto no programa Eixo Diagonal, do Teatro-cine de Torres Vedras, e apoio simplificado da Direção Geral das Artes.

Pedimos memórias
No primeiro trimestre de 2024, a artista Linda Valadas visitou os vários lugares da união de freguesias de Maxial e Monte Redondo, fazendo recolhas áudio de histórias, testemunhos, pensamentos da população. Esteve em Monte Redondo, numa tarde de conversa animada na Ermegeira, ambos os lares do Maxial e Monte Redondo onde encontrou pessoas dos já referidos lugares, mas também da Aldeia Grande, Folgorosa e Casais, e foi propositadamente ao Bairro Senior Residence, encontrar a D.Mina, da Ermegeira, com 103 anos de idade.
Estas recolhas foram já apresentadas numa conversa/apresentação, pela Linda, no Centro Social da Ermegeira no dia 10 de março de 2024, no programa do aniversário da SFE.
Registamos memórias
Grande parte destes momentos captados, são agora, no segundo trimestre do ano, transformados numa exposição no Parque da Ermegeira, onde poderão ser lidas pelos visitantes do Parque, e vistas imagens do antigamente na freguesia.
Criamos memórias

 

São também a inspiração para a criação de um espetáculo com a comunidade, que será apresentado no dia 19 de julho, no Festival Contrapasso. Nesta fase, contamos desde abril com o apoio de duas artistas convidadas a trabalhar com um grupo da comunidade, para dar vida ao espetáculo O Círio das Memórias – Sofia Bernardo, do teatro, e Rute Miranda, da música. Contamos também com a co-criação da Sociedade Filarmónica Incrível Aldeiagrandense, vizinha na freguesia.
 

Esta exposição, mediadora do que se poderá observar e escutar no Círio das Memórias em julho, quer-se viva, aberta a receber mais memórias que possamos enviar para a nuvem que para sempre as guardará.

Se gostava de partilhar as suas memórias e imagens (ou as de familiares), pode contactar a SFE através dos canais habituais.

Recolhas realizadas na união de freguesias de Maxial e Monte Redondo

“Punham um boneco ali em cima da água, depois largavam-lhe o fogo. Mas enquanto eles não chegavam aqui, andavam pela aldeia toda a chorar e não sei quê. 

Havia um que ia fazer de padre e o que é que ele levava? Um penico, com xixi mesmo lá dentro, com um pincel, e depois ele benzia! E a gente todos a fugir! Mas era divertido. 

Largavam o fogo ao boneco e aquilo era vê-lo todo a arder. E depois as outras a fingir a chorar “ai o meu pai, ai o não sei quantos”.

“Uma história de carnaval. A gente no carnaval vestia os burros com roupa, e púnhamos umas meias nos pés dos burros. Os burros não queriam as meias, só queriam andar para trás. Calçavam e eles descalçavam, calçavam e eles descalçavam. E depois púnhamos os nossos irmãos pequeninos a pedir, para a gente ir para os bolos, comprar bolos.”

Tenho vários amigos e amigas, da minha infância e agora depois da 3ª idade. Sou muito amigo dos meus amigos, muito mais dos meus filhos. Da minha esposa não, que já faleceu, infelizmente.

E gosto muito e sou feliz por ser vivo, e de viver com quem eu vivo. Gosto de conviver com a família, com os amigos.

Não sou daquelas pessoas rudes e de fazer judiarias, sou simples, não é.

No meu tempo de mais novo, quando trabalhava ia à casa de muita gente matar bois, porcos, carneiros, o alimento da casa, e então o meu emprego na tropa era enfermeiro. Saí da tropa, gostava muito do meu ramo e ganhava bem, era cortador de carne. Agora é raro, mas de vez em quando vêm cá uns amigos “epa anda cá cortar o borrego”, e eu lá vou desenrascá-los para ter uma buchazita. Era assim. Era a vida.

O carnaval da minha vida, era uma paródia, assim como se costuma dizer, um bocadinho bruta. Cabeçuda. E então, eu gostava muito de tapar a cara, que ela não é nada bonita, tapar a cara de vez em quando, e lá nos andávamos a divertir. (…) As raparigas (…) uns conheciam-se, outros não conheciam, e assim a gente passava a época carnavalesca.

Mascarava-me de cabeçudo.

Eu mascarava-me era só lá pelos lugares, pelo outeiro da cabeça, ou quando era já casado aqui em Vila Facaia. (…) Para não me conhecerem era tudo, assim, ao contrário, era roupa e tudo. Mas, uma vez, a minha mulher, eu esqueceu-me de por umas luvas ou uns peúgos nas mãos, conheceu-me pelas mãos por causa destas cinco pintas.

É uma quina, mas esta quina tem significado – é o homem metido dentro de quatro paredes. Você nunca esteve isolada tanto tempo, quer dizer, nunca esteve em África como eu estive, isolado da família (…) uma solidão não voluntária, por obrigação.

Era enfermeiro, não tinha tatuagem nenhuma. Fiz lá. (…) É uma coisa eterna para toda a vida.

Mas isto tem um significado, é um homem metido dentro de quatro paredes. É uma prisão, mas, graças a deus, só lá ia dar injeções ao pessoal quando era preciso, nunca mais lá fui. Pena pior, nunca tive, graças a deus.

(…) As histórias que a gente tinha, era ter de passar por aquela vida obrigatória. E ser leal, e amigo dos amigos. Que a gente éramos uma só família, que a família nossa não estava lá. Por acaso lá tinha um primo. Primo Ricardo.

Lembro-me de um preso, que, coitado, também era bom rapazinho e parvo ao mesmo tempo. Ele uma vez, havia lá uma paródia, um baile, foi para lá também, ideia maluca, e o que é que ele pensou levar – uma granada sensível. (…) Uma granada que é para defender a gente. A gente manda, e rebenta tudo nuns estilhaços (…) mata as pessoas. E ele uma vez fez isso num baile, lançou a granada e traz, e ele para não ser atingido mandou-se logo para o chão. Feriu logo uns poucos, não é. E foi apanhado. Foi apanhado lá.” 

Avelino Félix / Lar de Monte Redondo

“Na noite que passava para o primeiro de dezembro, era o dia da restauração. Não era a banda toda, mas era uns quantos, à meia noite saiam daqui*

Saía um grupo, com o primo Alcino e mais uns quantos, não eram muitos, eram uns quantos, e começavam a tocar aqui e andavam aí pelas ruas a tocar o hino da restauração. Tocavam do lado de lá da capela, que era para se ouvir por todo o lado. Íamos para o Sarge e pela Loubagueira.”

Hino da Restauração, original:
“Portugueses celebremos
O dia da redenção,
Em que valentes guerreiros
Nos deram livre a Nação.
A fé dos campos de Ourique,
Coragem deu e valor,
Aos famosos de quarenta,
Que lutaram com ardor.
P’rá Frente! P’rá Frente!
Repetir saberemos as proezas Portuguesas
Avante, Avante,
É voz que soará triunfal,
Vá avante mocidade de Portugal,
Vá avante mocidade de Portugal.”

 

Conversa na Casa Azul / Ermegeira / 4 de fevereiro de 2024

Hino da Restauração, brincalhão:
Ó seu homem da pêra branca,
– O que é que tem?
Você anda muito enganado,
– Então porquê?
A mulher que você ama,
– O que é que tem?
É amante do soldado.”
“Cortejo de oferendas. O que é que é: as pessoas davam dinheiro, outras davam géneros, e organizava-se um carro, o meu pai chegou a levar, um carro de bois, depois passou a tratores. 
Então enfeitavam o carro, e depois iam os bolo ferradura pendurados – não havia covid, não havia estas coisas, não havia micróbios – ía aqui tudo para o Maxial. E então ia o dinheiro, com uma placa a dizer quanto é que ia em dinheiro dinheiro. Depois ia tudo a leilão.” 
“O Círio da Aldeia Grande, é preparado com os tratores enfeitados e ir ao Bom Jesus do Bombarral… Não (…) Nossa Senhora da Misericórdia. 
Ir para lá. O gaiteiro fazia o peditório e depois quando fosse as três horas seguiam para lá para a Misericórdia e esperavam pelo círio de Vila Chã, dois carros. Era assim.
Depois, iam à quinta, estavam lá sexta e vinham ao sábado, ficam lá de noite e tudo. Há lá música, para a malta divertir-se e depois vêm. Ali pela volta das três horas, fazem um grupo, dão uns bolos a cada um, e uma pinga.
Faziam o peditório e ajudavam as coletividades (da Aldeia Grande).
O Círio chegou a ir com carros de bois, vê lá tu. Agora já não existe nada disso. Agora é com tratores, com automóveis, é assim.
Ia para a escola, descalço. Até aos doze anos, depois é que os meus pais compraram uns sapatinhos, uns ténis. E ia lá, depois vinha. Assentava-me lá num sítio de cimento, ao pé da casa da minha avó, depois a minha mãe andava a trabalhar e vinha-me buscar para casa. Era assim.
E depois, fui crescendo, fui crescendo e ia roçar mato, para dentro do eucaliptal, roçar o mato. Depois para fazer um género de uma moita, mais o meu pai.
“Vamos arranjar uma casa maior para a nossa senhora. A igreja tinha um arco assim em pedras, e estava partido em dois lados, e então esse senhor padre Fernando Guerra queria-se ir vestir para a missa, celebrava-se lá missa na mesma, estava muito estragada mas… e então o sr. Padre dizia: bom tenho de me ir vestir mas é na igreja que aqui na sacristia fico todo molhado. -Porque na sacristia corria água. 
E havia uma senhora chamada Maria que era uma senhor daqui que tratava ali da igreja, e ela andava sempre a dizer ao meu marido: – Ó Alcino, eu ando aqui a por jornais com uma faca nas gretas ali da capela mor, mas isto não dá nada, está sempre cá a chover à mesma, não sei que hei de fazer.
– O que há de fazer é pensar-se em fazer de novo ou renovar esta.
– Mas como se a gente não tem dinheiro. – Aquilo as pessoas davam uns tostõezinhos as pessoas, porque, é verdade, eram pessoas muito humildes na quele tempo – muito generosas – mas esta terra quando eu para aqui vim era muito pobre. Eram pessoas muito boas, muito humildes, e as pessoas mesmo pobrezinhas mostravam sempre o riso à gente, diziam: ah pois olhe hoje não mas talvez lá para domingo já possa.
E então, o padre guerra mandou vir o bispo do patriarcado. Veio cá e viu as condições da igreja, e mandou fazer uma nova.
Fizeram uma comissão de umas pessoas e pensaram em deitar a igreja abaixo. Foi deitada a baixo, e foi feita. Mas naquela altura em que estavam só as paredes a pino, e não havia dinheiro, eram, olhe a Beatriz e a minha filha, que orientavam.
Beatriz – fizemos a campanha do ovo. Todas as semanas, dávamos a volta à ermegeira, as pessoas davam os ovos e depois vendíamos os ovos. Tenho um livro da campanha do ovo.
– E nesta altura também foi o 25 de abril e as pessoas ficaram todas sem saber o que fazer.
– E houve também a campanha do cimento.
 
O padre veio cá (Maxial?) e disse: – Não, tem de se arranjar esta igreja.
E então o que é que pensaram, pensaram cada terra da freguesia fazer aí um cortejo. A Ermegeira, a Aldeia Grande, os Casais, a Serra, tudo. De maneira que cá na Ermegeira, era a música, então tinham muito jeito para essas danças e isso (…) então começaram a faze rum rancho. Era o mestre que andava cá da música, que não tinha jeito nenhum para ensaiar, eles davam um passo e ele dava três e não sei quê, e o meu marido diz assim: ora bolas mas que figura é que vamos fazer lá para o maxial. Mas havia um senhor que era aqui da Quinta do Pomar, que era o Sr. Jordão, que eram umas pessoas que ajudaram muito, umas pessoas muito boas. E de maneira que o meu marido disse: ó sr.jordão, não conhece alguém que pudesse ensaiar-nos aqui, e contou os problemas. E o sr.jordão disse: ah espera lá. E arranjou um senhor de torres, que era o sr. José, já não me lembro do resto do nome.
Esse senhor arranjou um rancho cá, foram para o maxial com o rancho todos, um grande cortejo muito bonito, cá o da ermegeira foi o melhor, comprou um bacalhau muito grande e os miúdos com cestos com ovos ou galinhas.
Bem cada um fazia a sua atuação, olhe os da ermegeira ficaram em primeiro lugar. Pronto, receberam muitas palmas, ficaram muito contentes.
Então continuaram, até que fizeram uma récita, que acho que se deu muito bem, era muito bonita, mas entretanto umas casaram, acabou. E esse senhor vinha sempre cá ensaiar, sem lhe pagarem nada, nem gasóleo, e até chegou a filmar (…) e depois passava o filme aqui.”
“Sou uma nuvem, sou uma flor. Uma flor nasce e morre. Nós nascemos e morremos.
A flor nasce muito bonita, nós acabamos na terra, que é a morte. É um ciclo natural, que a pessoa, pronto, nasce e morre como qualquer flor, como qualquer passado. Temos coisas boas na vida, temos más. Tudo faz parte da vida.
Eu era uma pessoa normal, fazia a minha vida toda. Tive um problema na perna e tou numa cadeira de rodas. Chorei muito, e tou convencida que a minha vida é esta. E se eu for olhar para trás, há quem esteja muito pior que nós.
Trabalhei na televisão. Eu tava na montagem de filmes. (…) era a montadora que montava o filme, depois o filme era para assistentes, que era o meu caso. Nós bobinávamos o filme, limpávamos e víamos se por acaso uma colagem tinha um sinal de sincronismo, que era o start, junto com o som. E essa parte, nós assistentes tínhamos de ver se a montadora tinha feito algum erro: na colagem, no sincronismo. Era muito bonito, era uma arte muito bonita. Porque eu desde muito pequenina, gostei muito de ir ao cinema. Os meus pais eram separados, vivi uma juventude um bocado desagradável porque o meu pai era um mulherengo, não dava nada em casa, e depois a minha mãe entretanto arranjou uma senhora, um casal, que conseguiu que a minha mãe fosse para a televisão. E a minha mãe pôs-me lá. E eu desempenhei quarenta e dois anos muito bem a minha profissão. Era uma boa profissional, tive três louvores na televisão, por bom comportamento.
Trabalhava na RTP que não havia mais nenhuma. (…) entretanto a minha secção acabou e fui para a secção dos recortes. Vinha à rua, com jornais, fazia diversas coisas, gostava muito. Mas depois, mais tarde, já não gostava daquilo que estava a fazer e pedi ao chefe e disse “ó Sr. Alves, eu gostava tanto de ir outra vez para a mesma coisa”. Depois voltei outra vez, para a montagem de filmes, para os recortes.
A minha vida foi, pronto, em juventude brincávamos às bonecas, brincava no jardim onde íamos apanhar as folhas das amoreiras. Foi uma juventude engraçada.
Eu tenho uma história muito importante: eu trabalhava na televisão e fui para os catedráticos do exército. Um senhor trabalhava lá, que era o Batista Rosa, disse-me “Olha, eu precisava de uma pequena” e eu disse “Ó mãe, eu quero ganhar mais alguma coisa, para a nossa vida continuar”. Então depois, mais tarde, convidaram-me para ir à Holanda, e o meu filme ganhou o primeiro prémio, que era A vida de um soldado. Depois o meu chefe morreu e eu entreguei esse prémio aos catedráticos da tropa.
Sou Maria Alice Santos, natural de Lisboa, freguesia de São Mamede. Agora sou residente no Maxial. Os meus pais eram da Loubagueira, tenho família na Loubagueira.”
“Isto é assim: como sabemos, muitos apelidos derivam de alcunhas. Umas mais populares, outras mais eruditas. O João Ratão será um deles. O apelido era atribuído geralmente a um individuo considerado muito …. (?)
O apelido que apresento neste apontamento terá sido na freguesia de monte redondo pelo Manuel Joaquim Matias Ratão que morreu em monte redondo em 19/01/1907, com sessenta e seis anos, natural de Paredes, filho do reverente padre António Ramos Matias Ratão, que morreu viúvo em monte redondo, em 11/12/1872, em casa do seu filho, natural de Vila Boa e de Maria de Deus.
É este Manuel Joaquim que casou em monte redondo. (…)
Houve um padre que chegou à freguesia do monte redondo e trouxe um filho. E esse filho fez sete filhos. E chamou a essa família Ratão. Pronto.
(…) Depois gerou muitos, cada um quatro, cinco filhos, e a freguesia de monte redondo está cheia da família Ratão, da qual eu faço parte.
É assim. Esse padre fez um filho e esse filho (…) Sou trineto. O meu pai é que era bisneo dele.”
Joaquim Gonçalves Martins. Monte Redondo

 

“Sou a Jéssica, sou natural do Monte Redondo e acho que o mais faz falta aqui é talvez pessoas mais bem educadas, melhor educação nos jovens de hoje, e se calhar o que não gosto assim tanto é que estraguem os monumentos que há aqui no monte redondo: o parque, estragaram, os tanques também já foram fechados porque andavam lá a fumar coisas, e é isso. Os grafitis, que estão lá no parque, tudo grafitado as paredes, não acho correcto. 
E pronto, é mais ou menos isso.”
“Chamo-me Odete Santos, sou de sintra. Tenho filhos, tenho netos, sou feliz com eles.
Tou agora aqui de férias em mote redondo, tou lá e cá, pouco conheço do monte redondo.
E outra coisa que era bonito par na nós todos e para o mundo era que toda a gente não tivesse invejas umas das outras, que não tivessem ciúmes e que fossem felizes todas e deixassem os outros serem felizes também.”